terça-feira, 29 de novembro de 2011

tu pousas sobre mim,
rio,
sorrio,
e sonho...
Repousas tuas palavras mudas,
que leio  entre o que penso e o que sou agora,
abrimos em nos caminhos antes diferentes
e desiguais,
apertamos nossas mãos,
enlaçamos nossos pensamentos,
acreditamos na dúvida
e duvidamos juntos das antigas certezas...
Tu,
pássaro que veio de distante,
da terra dentro de mim,
elevas minh'alma até onde sem ti não poderia
e por que  já não somos,
deixamos nossos rastros por onde andamos,
e marcamos sem marcas o chão onde não pisamos...
Somos sem ser,
estamos sem estar
e nascemos flor no jardim que criamos com o que sentimos...
...sentindo que há sentido em nada entender,
nada esperar,
nada buscar;
apenas eternamente existir,
que não é o ser,
nem o estar,
nem fotografar-se nos olhos alheios
querendo perpetuar-se em saudades ou dores...
...apenas permanecer como pipa, preso pela linha da Tua vontade e te fazer sorrir
e esquecer-se...
Luiz Dutra - novembro/2011
Palavras,
bocas mudas
cegos olhos
visões embaçadas
cortinas amarrotadas
janelas sem casa,
portas escancaradas
ventos que entram,
dançam,
e saem pelo mesmo lugar...
Tudo são imagens,
imagens que formam palavras,
palavras que nada dizem
e se dizem,
se calam nas frases que nos ensinam
a apenas pensar...
...ainda assim,
pensar é deixar que palavras se formem,
ainda que virtuais,
dentro de algum lugar que as palavras não servem para definir o que seja...
Luiz Dutra - novembro/2011
Dentro da tarde que chega,
chega também minha outra metade,
metade que adormecia,
desequilibrada,
na linha do tempo,
tempo que se rompeu...
Minhas metades agora não mais o são,
são partes de um todo,
todo coberto de dúvidas,
das dívidas que tenho com meu amanhã...
Luiz Dutra - novembro/2011

domingo, 27 de novembro de 2011

Meus olhos pendurados no muro,
o muro distante,
a estrada seguindo
e eu vou te guardando,
aguardando,
seguindo
e pintando de branco o muro que nos separa...
Luiz Dutra - novembro/2011

sábado, 26 de novembro de 2011

Guardo no bolso a palavra,
a flor
e o dia que não chegou...
Guardo na boca o gosto,
a frase inacabada
e a acabada fala...
Guardo,
dentro ,
a espera
e por fora,
guardo a saudade das coisas que nunca puderam acontecer...
...mas mesmo assim,
ainda guardo um pouco de horas,
um pouco de sol,
um pouco de lua e estrelas;
e quando olho para o espaço alto,
abro minhas mãos,
e todo o meu guardado voa até onde estiveres como se fossem filhotes saído do ninho...
Luiz Dutra - novembro/2011

FILHOTES DE GATOS DE RAÇA DISPONÍVEIS :

 Filhote macho DA RAÇA silver chinchilla 9persa de olhos verdes)




 Filhote fêmea da raça SILVER GOLDEN(PERSA DOS OLHOS VERDES)
 

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Busco a estrada reta,
a seta acerta o erro
a fala desfaz palavras
a mão desenha o desejo
o som invade a alma
a calma se desfaz,
os olhos piscam
a boca regula
e dentro do pensamento,
desisto da tal estrada...
...e a seta acerta o alvo...
E erro outra vez a meta;
E meto-me dentro do corpo,
e o corpo me leva estrada afora...
Luiz Dutra - novembro/2011
Tranquila e sorrateiramente,
sem  tencionar nada,
a luz do sol foi se embrenhando,
atravessando as brechas da minha porta
e se estirando na minha cama.
A cama desfeita,
a noite ainda em cacos,
os cacos nas minhas mãos
e mãos que não as minhas,
abrindo os olhos meus...
Meus pensamentos confusos,
difusa ficou tua face
disfarce de ser quem sou;
e nada disto sou
soa no ar o faça daquilo que se desfaz
e refaço outra vez quem sou
e calo para deixar escrito
que nem existo,
nem penso...
...apenas deixo que o grito,
ecoe por dentro das horas
e as horas terminem na cama,
sob a luz que adentrou...
Luiz Dutra - 23/11/2011

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Dentro da casa louca,
louco ando
penso,
escrevo,
confundo
e decifro
o que penso no escrito
e me assomo
e sumo lúcido pelas brechas da mesma loucura...
...Depois abro a janela,
olho a porta entreaberta,
grito dentro do vazio
e me deixo ser normalmente louco,
loucamente normal
e anormalmente igual
a normalidade tua...
Não te busco nem me espero,
apenas espero a virada do ponteiro...
...desde que não perca
meu rosto noutros rostos
e minhas memórias nos relógios deste mundo
onde batem as outras horas tuas...
Luiz Dutra - novembro/2011

terça-feira, 15 de novembro de 2011

A porta dentro da sala,
a sala vazia dentro dos olhos,
olha para lugar nenhum
e nenhum dos eus despertam dentro desta noite ensolarada...
A casa cheia,
a chuva que enche a rua
o saco
e o velho que perambula perdido dentro da gaveta,
gaveta do meu armário-cabeça;
Olhos grudados na vidraça,
a vidraça embaçada,
por dentro e por fora,
e fora de contexto esta o dia que não passa
e passa na rua uma criança gritando
                                                     o grito ecoa
                                                     voa, batendo asas
                                                     enquanto o velho adormece
para esquecer de lembrar das coisas que não existem mais...
...e a chuva faz brotar novas sementes,
arrasta o lixo,
e leva o que o vento trouxe...
Luiz Dutra - novembro/2011

domingo, 13 de novembro de 2011

despertei num tempo inexistente,
adormecido para este em que vivo
e vi o vento,
valendo-se de sua calma-fúria,
lançar a minha frente páginas fotografadas
e assinadas pelas mãos minhas,
embora eu não mais a reconhecesse ...
Li coisas que disse,
vi fotos de coisas que fiz
e me desfiz por dentro,
sem despertar quem adormecia fora...
...O tudo visto,
ouvido e lido
embora ato meu,
não encontrava eco
nem trazia lembranças que me fizessem reconhecer aquele pedaço meu
e por que eram,
dizia o vento,
coisas minhas,
minhas mãos rasgaram em pedaços e esticaram aos ventos tantos,
tantos pedaços quanto escritas linhas,
fotos
meus-não-meus atos
e outros indescritíveis movimentos...
O vento levantou  pedaço por pedaço
rodopiou,
espalhou,
juntou e desapareceu...
...adormeci naquele tempo
e despertei num agora vazio,
cheio de ecos que não cessam
e porque não cessam,
adormeci sobre o branco papel da vida-agora
num tempo de inexistentes esquecimentos
e também nulas lembranças...
Luiz Dutra - novembro/2011

sábado, 12 de novembro de 2011

Dia pendurado,
arrastando correntes das horas,
horas que se prendem  ora no hoje,
ora no ontem
e ora em nenhum lugar,
e mesmo assim se mantem amarradas...
Dia chatinho,
de pensamentos inexistentes,
ou insistentemente amarelos;
Dia
de cansaço enfileirado
fazendo  sombra por estar nele...
Dia sem ser
e mesmo se querer, estar...
Espera...
...da noite que não chega,
e se chega será a outra face do dia,
diferente apenas na ausência da luz;
luz que não se acendeu hoje dentro em mim...
E me encolho e durmo por fora,
enquanto por dentro ouço os passos lentos das horas,
vejo minh'alma sonolenta bebendo o veneno do irrealizável sonho...
Luiz Dutra - novembro/2011

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Piso no chão,
minha alma desperta
e de corpo e alma
subo pelas cordas do teu olhar
e olho o mudo pequeno
e sei do mundo melhor;
tudo isso eu vejo,

penso
e desenho
ali,
dentro do teu olhar...

E quando meu medo me prende
ou me solta no ar inseguro
onde com apenas alma não poso voar,
tu me olhas,

e continuas a sorrir...
...e porque teu riso se torna balão,
fecho meus olhos e continuo a me deixar subir...
... subir pela alegria que advém de ti!
Luiz Dutra - novembro/2011
A tarde sem sol,
o sol sem estrelas
as eiras sem beiras
e eu,
preso na fantasia de um Carnaval passado,
passo à limpo e a ferro as horas,
os passos
espaços infindos
do fundo estancado nas lembranças cascatas...
Desagua ideias,
renovas,
revelhas
ovelhas desgarradas da mente minha
e minhas manhãs nascem assim,
sem sol...
Guardo-me dentro da lua,
espero passar o trem
e tenho a embaçada certeza de ser quem desconheço
e estar distante do que já fui;
embora as horas passem,
ainda que a rua se estenda por outras estrelas além da minha própria galáxia
desde a manhã sem sol que insisto
nem nisto
tão pouco naquilo
apenas insisto no esticar os braços e repor o sol,
o sol naquilo que me será
o céu azul;
ou mais da metade-universo do que me faço
e sou neste agora sem sol
mas com estrelas,
ainda que vagas,
desertas de gentes,
no extremo oriente onde me oriento-deserto
para não deserdar daquilo que ainda vira,
embora sei que por mim,
desconheço (ou assim me faço desconhecer...)
Luiz Dutra - novembro/2011 
Hoje,
um dia comum,
um ser
comum como não ser
um estar
e despertar não estando
mas estender o pensamento,
indo para onde não se sabe,
ou se sabe bem,
e desejar o indesejável,
ou...
Hoje 
ainda estar no ontem,
mesmo sem querer
e ter apenas o desejo que ainda não nasceu
de ser amanhã
a manhã mais azul
daquele dia em que tudo terminará...
...e seguir!
Luiz Dutra - novembro/2011

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Amo,
teus olhos cor de rosa,
tua palavra doce
tua voz mansa
e a mansa passagem das horas de estar contigo...
Amo,
porque chegaste do nada desejado em mim,
porque  atrevida derrubaste os muros,
muros construídos ao longo de anos,
porque és quem és
e nada pedes
e se nada dizes,
porque te amo,
sei o que escreves no silencioso sorriso...
Amo
e porque amar é descoberta nova
amo-te
de forma clara
e contida
e silenciosamente como o marulho do mar...
Amo,
e se não existisses,
certamente hoje o amor em mim também não existiria
Ah! doce Maria!
Luiz Dutra - novembro/2011
Na tarde de sol,
o céu dos teus olhos se enchem de estrelas
e voam pássaros
sopra o vento
enquando me alegro
na alegria que brilha dentro
e fora
e por todo lugar
e instante
onde o azul se faz
e há teu olhar...

Luiz Dutra - novembro/2011

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Invado meu passado,
passo à limpo o sujo espaço
e desfaço,
os passos que lá ficariam...
Com passos lentos,
medrosos e curtos,
adentro espaço longe,
longe do ontem,
de antes e de ainda antes do antes
dos ontens passados...
alguém chora estirado num canto escuro,
enquanto alguém ri,
outros gritam
e a vida por si me pinta de vermelho o nariz...
abro uma,
depois fecho a mesma porta
e volto assustado com a maçaneta nas mãos,
sem os olhos na face,
sem a língua na boca
e sem fazer uso da caixa pensante,
Abro as mãos,
esgaço o peito,
arranco e pico em pedaços,
 minhas emoções,
meus sentimentos,
meu senso-existir
e as vontades de ver o sol lá fora
e deito tudo no saco de rever agora...
...depois de segurar por horas esse estranho objeto-coisas,
lanço o saco,
amarrado,
por cima do muro que me separa daquele lugar...
Ergo a cabeça,
finjo secar uma lágrima que não há
e volto à janela do dia de hoje...
...Alguns pássaros pousam na verdejante árvore do meu quintal-agora,
e porque nada sinto,
entendo que gosto de vê-los ali :
pousados tranquilos,
às vezes cantando,
noutros instantes apenas mirando meu hoje
e vez por outro adentrando a janela,
voando à minha volta...
...Apenas olho,
com meus-não-olhos
aquilo que serve apenas para ouvir,
mas não ouço,
apenas vejo!
Luiz Dutra - novembro/2011

A CASA DO GATO VELHO POSSUI FILHOTES PARA VENDA!

POSSUO FILHOTES DE GATOS DA RAÇA HIMALAIA:


POSSUO FILHOTES DA RAÇA EXÓTICO SH (RAÇA DO GATO GARFIELD)



POSSUO FILHOTES DE GATOS DA RAÇA  PERSA
Escrevo palavras tortas,
abro portas novas,
desenho,
rabisco,
espero,
e solto no movimento do sem fim espaço curto
o pássaro antes preso
no negro espaço-passado meu...
...Enquanto acompanho com olhos novos seu voo
até que solte no ar suas penas
até que se encham da tinta do amanhã
e me permita escrever,
no silêncio,
palavras retas...
Luiz Dutra - novembro/2011

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

A mão aberta,
ventos,
estradas nuas,
metades,
saídas,
entradas 
caminhos  curtos
e curtas voltas no mesmo parafuso;
                                                      Difusão de valores,
                                                      terrores,
                                                      torres e castelos vazios
                                                      muralhas desenhadas num chão de giz
as mãos ainda abertas acenando um atrasado adeus,
olhos pela primeira vez, ouvindo,
ouvidos que vêem...
...e nós,
         eu
         e
         antes de ser,
descemos por sobre páginas escritas e rimos...
E porque  o antes largou minhas mãos,
sigo sozinho
lançando as sobras dele ao pássaro que nasce todas as manhãs dentro de mim...e abro a mão,
na espera paciente de ver o mesmo  e sempre nascente pássaro pousar sobre ela...
Luiz Dutra - novembro/2011

domingo, 6 de novembro de 2011

Acordei dentro do sono,
                                     o sonho 
                                     a noite,
                                     a lua distante
o escuro,
o quarto...
... e eu lá dentro
que andava tonto,
                    cambaleava por dentro da realidade,
                    tateava na claridade,
buscava o achado
e quanto mais perto do longe chegava,
mais longe do perto  eu me permitia estar...
Adormeci cansado,
                             cansei da busca,
                             da luz,
                             do caminho,
                             da realidade
                             e
                             do sonho
arranquei do céu a lua,
apaguei a estrada,
desliguei a claridade,
acendi a escuridão
e descendo o porão dos acasos perdidos,
ou,
bem guardados,
cobri o espelho e me debrucei sobre o silêncio :
                                                                     fechei os olhos,
                                                                     calei minha voz
                                                                     e só então pude ver os raios,
os relâmpagos,
as tempestades,
os entardeceres,
as manhãs sem
e
com sol
e porque o filme de tudo isto se projetava no céu,
por instantes,
permiti que minhas mãos aplaudisse  o solitário ator...
...Após veio o barulho,
imenso, 
do vento a apagar a vela que clareava o escuro
                                                                                   do imenso dentro,
                                                                                   lá dentro de mim...
Depois não lembro,
não esqueço
nem adormeço
tão pouco durmo, 
                          apenas vivo,
                                                se for isto pouco
                                                ou muito,
                                                não guardo,
                                                nem gasto,
                                                apenas faço uso!
                                               e isto é tudo!
Luiz Dutra - novembro/2011
Minha cara no espelho,
nossa fantasia no armário
                                     teu retrato sobre a mesa,
                                     minhas mãos soltas no ar
Meu espelho na parede,
nossa quarta feira de cinzas
                                        teu olhar mirando o vento
                                        nosso riso imperfeito
tudo assim,
guardado,
dentro da vida em movimento...
Luiz Dutra - novembro/2011

sábado, 5 de novembro de 2011

CONTO 0006 - O PÃO.

Ao sair de casa, a mulher pediu que trouxesse pão quando retornasse do trabalho.
Ele Meneou a cabeça, afirmando que traria e se foi para o ponto esperar seu ônibus.
Já dentro do ônibus, viu sentada do outro lado do corredor uma senhora com uma sacola de padaria e lembrou da mulher. Saltou do ônibus e reparou que seu escritório ficava em frente a uma padaria. Era a primeira vez que percebia isto, por isso lembrou-se novamente da mulher, riu e entrou no prédio.  Não encontrando sua secretaria, a procurou na cozinha e lá, a encontrou tomando café; a olhou, sorriu e lembrou primeiro do pão, depois da mulher.
Ao final do dia refez o trajeto para chegar a casa sua, entrou na padaria do Manoel e como a mesma estava bem movimentada naquela tarde, iniciou uma conversa com um vizinho. O tempo passou até que se ouviu um grito:
- Isto é um assalto!
Ele olhou para o ladrão, depois para os pães, lembrou da mulher e sem dar atenção ao mesmo, encaminhou-se ao balcão.
O ladrão temendo sua atitude deu-lhe uma coronhada fazendo-o cair desmaiado.
Acordou dois dias depois numa sala de hospital e o primeiro rosto que viu a sua frente foi o de sua mulher. Assustado, levantou-se da cama e começou a gritar:
O pão. Esqueci do pão! Preciso comprar o pão... E saiu correndo pelos corredores atrás de uma padaria.

CONTO 0005 - QUEM SERÁ ?

A mulher acordou  de madrugada. Estava sozinha, o marido havia viajado a trabalho e como a filha, segundo acreditava, estava dormindo angelicalmente, estava só. Colocou seu roupão e dirigiu-se a cozinha, encheu um copo com água gelada, caminhou até a sala, abriu parte da janela e liberou a espiã que morava dentro em si.  Seus olhos giraram, até encontrar do outro lado da rua, em frente a sua casa, um carro estacionado com um casal sedento de beijos... Ela olhou,espremeu os olhos, mas não conseguiu identificar quem eram. Permaneceu por mais algumas horas fixa, como traduzia seus pensamentos, nos desavergonhados, e não conseguindo, por mais que tentasse descobrir quem eram, fechou a janela e voltou ao quarto.  Pela manhã, tomando café em companhia da filha, comentou o visto:
- Sabes que ontem à noite, sem querer, abri a janela da sala e vi um carro estacionado ai, na frente de casa. Não imaginas as cenas que vi. Coisas de uma típica vagabundinha. Uma vergonha para uma mãe.  Um agarra sem fim! Daqui a pouco, aparece grávida, os pais se apavoram perguntando onde erraram. Ora, onde erraram? Simples, né, deixando que a filha saia e volte à hora que quer, e ainda por cima fique dentro de um carro altas horas da madrugada como uma vadiazinha qualquer. Um horror...
A filha deu uma ruborizada, soltou um “é!” com um sorriso amarelado no rosto e saiu.
Naquela mesma noite a cena repetiu-se, Porém desta vez ela sem mostrar o rosto, gritou:
- Vai para casa, sua vadia! Isso é hora de fazer cena na frente da casa dos outros?!
Acabou de falar e o carro saiu.
Pela manhã, caminhando para o mercado encontrou a vizinha e foi logo perguntando:
- Tu tens visto aquele carro que toda noite fica estacionado aqui na rua, com um casal de ordinários que ficam fazendo vagabundagens dentro? Queria descobrir quem é a vadia!
A vizinha apenas a olhou, deu um risinho, quase como quem pede desculpas, e meneou a cabeça como forma de censurar o fato (ou quem sabe a narradora?!) e seguiram.
 A tarde ainda, cruzando com outra vizinha, teceu o mesmo comentário, sem receber absolutamente nada de questionamento por parte da ouvinte acerca do fato, Esta apenas limitou-se a encará-la com um sorriso abusado nos lábios (que na empolgação de narrar o fato não foi percebido), menear a cabeça e calar-se.
A mulher voltou a casa sua, preparou a janta enquanto arquitetava o desmascaramento da vadia, caso aparecesse por ali novamente; riu das palavras armazenadas para a noite e do espetáculo que faria. Depois fechou o riso pensando na dor que sentiria a mãe da vadia, caso fosse uma das vizinhas ou alguém da redondeza. Embora isso não a fizesse desistir, jantou em companhia da filha, assistiram a novela e ao final desta, a filha retirou-se para o quarto. A mulher caminhou até o seu, esticou-se na cama e dormiu algumas horas. Despertou pelas tantas da madrugada e rapidamente chegou à janela. Abriu-a e lá estava o carro com a “vadia” aos agarrões, sentada no colo do motorista. Ela não se conteve, abriu a porta sem fazer ruído e caminhando em direção ao carro, começou a sua cena planejada ao meio dia:
- Sua vagabunda! Vaca sem vergonha! Não tens outro lugar para fazer safadeza? Olha aqui sua puta sem vergonha, este bairro é um lugar de respeito.  Famílias decentes moram aqui, se tu não tens quem te dê bons exemplos, sua vaca, vai fazer essas coisas na frente da tua casa.
Nisso a vizinhança toda já estava saindo do portão, olhando a mulher, de roupão vermelho, esbravejando na frente do carro, impedindo que saísse para que todos vissem a cara da vadia.
A mulher ainda ia continuar o show quando a “vadia” saiu, ainda abotoando a saia, de dentro do carro.  Para sua surpresa e desespero, reconheceu ali, como à vadia que se dava ao desfrute noites seguidas dentro do carro, sua própria filha.
Ela olhou a sua volta, vendo a vizinhança inteira ali presenciando a deplorável cena, baixou a cabeça e a voz e sem ter o que fazer para remediar o feito e dito, retirou de si o roupão entregando-o a filha, dizendo com voz doce:
- Querida, eu não te falei para por uma blusa? As noites esfriam muito! Pega, veste este roupão, te despede do namorado e vamos entrar que já esta tarde. E passando pelo motorista, que a olhou incrédulo e assustado, não entendeu nada, disse:
-Boa noite, Luciano! Então esta marcado! Vou esperar tu e teus pais para o almoço de domingo.
Andou como se voasse pela rua sem olhar para lado algum, entrou em casa, bebeu um copo de água e jogou-se na cama.